terça-feira, 8 de setembro de 2015

Discurso Dos Ventos / CINZA DOS OSSOS * Antonio Cabral Filho - RJ

Iniciando a série de 15 novos poemas
 neste livro, CINZA DOS OSSOS,
 o primeiro é
Discurso Dos Ventos

Cruzo as ruas
E seus hermeneutas
Desfilando discursos
Enfileirados

Seguindo a ordem unida
Das disciplinas disformes –
Ovos de serpentes extintas

Noto cobranças herméticas
Em prosas prolixas estéreis
Nos raios cortantes das pedras

Um vento frio repõe a poeira
Erguida pelos coturnos
De antigas marchas cinéticas

Tudo se move
Por entre os cubos de gelo
Da velha taça sempre inerte

E quando eu puder
Também farei discursos herméticos
Para os ouvidos moucos
Mas por ora
Ouçam o que dizem os ventos 
***

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Do Pobre Arlequim / CINZA DOS OSSOS * Antonio Cabral Filho - RJ

1ª Antologia 100 Trovas Sobre Cachaça
http://antologiabrasilliterario.blogspot.com.br/ 
***

Do Pobre Arlequim


Nasci ao sopé das montanhas,
Lá onde terminam os bosques
E as florestas se adensam.

Bem cedo aprendi a brincar
Com os habitantes desse mundo
Onde reinam Sacis e Iaras.

Ainda menino fui pras cidades
Sem seio de mãe nem ombro de pai,
Órfão de noite e de dia.

Segui sempre o senfim dos caminhos
E a poeira das estradas
Tingiu de vermelho os meus sonhos.

E o ronco do motor dos caminhões
É que ninou a soneca do menino
À sombra dos arbustos solidários.

Meu prato requentado e rápido
Eu soube sempre o seu sabor de sal
Temperado de relento e sol.


Na cidade sou um peixe fora d’agua
E vez por outra ponho-me frente aos bares
Perscrutando por que essa gente bebe tanto.

O meu amor não sabe o pranto
Tão fartas comigo foram as mulheres francas
Em darem-se inteiras e detalhes tantos.


Não prometo ser algum dia um gentleman,
Mas eu não mijo calçada a fora
Após uns chopes com steinhägen.

***

sábado, 5 de setembro de 2015

Sono Proletário * Antonio Cabral Filho - RJ


Sono Proletário
*
Viajo incômodo
No banco do ônibus
E logo me vejo vergado pelo sono,
Sono insólito
Surgido das penumbras do cansaço
Que com seu ataque súbito
Domina todo meu ser
E me conduz involuntário
A ouvir seu som de flauta.

Sinto inútil a luta que travo
Contra o poder do seu feitiço,
E vencido vejo-me
Ante um anjo de neve.
Ensaio a fuga e de várias direções
Surge o anjo insinuando-se pra mim
Com suas asas imensas.
De fronte erguida e olhar distante,
Noto que avanço por uma rua molhada
Calçada de pedras portuguesas,
E inesperadamente afundo o pé na lama
E o anjo põe-se diante de mim.
Percebo seu semblante pedindo-me calma...

Súbito ouço um barulho,
É o cobrador comunicando o fim da linha
E concluo que a poesia é assim mesmo:
Um ser intrépido e sem forma
Que nos ataca sem aviso prévio
E faz-nos prisioneiros
De emoções estranhas.
***

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Ronda Poética / Cinza Dos Ossos - Poesia * Antonio Cabral Filho - RJ

CINZA DOS OSSOS
Antonio Cabral Filho
*
Ronda Poética

Inútil querer iludir-me
Tentando transgredir
Os teus mistérios sombrios.

Não adianta vir rondar-me
Fingindo que não o fazes,
Não adianta esconder-se
Nas brincadeiras de Isabela
Espalhando brinquedos pelo chão,

Inútil arranjar-me um flerte
Com o olhar de morena fatal
De minha cunhada loura,

Também já é demais disfarçar-se
No meu cunhado barrigudo
Com um copo duplo de caipirinha
Chamando pra jogar sinuca
No bar do Gonzaga,
Que eu não caio nessa.

Inútil rondar-me
Com teus mil e um disfarces.
Vate guerreiro ou ninja, te espreito
De armadura e esgrima em riste.

Convence-te, que os teus
Mistérios eu conheço todos.
E esse pássaro
Pousado à minha janela...
Apelação não vale!... 

*

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Vidaval / Cinza Dos Ossos - Poesia * Antonio Cabral Filho - RJ

CINZA DOS OSSOS
Antonio Cabral Filho
*
Vidaval

É a vida a vida é isso
Esse vendaval indócil
Que verga uns
E outros
Deita por terra sem piedade

E eu nesse vendaval
Não passo de um jornal velho
Que vejo voando
                                   voando
                                                        voando
sem rumo vida a fora

Agora estou nesse ponto de ônibus
E passa por mim um cão magro e rabujento
E o vendaval nos cobre de poeira e lixo
No monte de entulho
Um rato vasculha por alimento
E o vendaval o espanta
No arbusto à beira do valão
Pousa uma borboleta em busca de algo
E o vendaval chicoteia com os galhos
E fá-la ir embora vagueando

Uma nuvem de poeira cobre a cidade
Eu pego o coletivo e sigo
Por aí dentro da ventania
É a vida
                      Indócil
                                                   A vida é isso



*